< Jornal Estado de Minas >
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28/10/2004
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< Pagando por telefone > |
O telefone celular é um dos exemplos mais marcantes de tecnologia que mudou o comportamento humano em um tempo surpreendentemente curto. Se, há vinte anos, você descrevesse o papel que essas maquinetas, ao mesmo tempo milagrosas e inoportunas, desempenhariam na sociedade atual, seria tachado de delirante. Em contrapartida, depois que a tecnologia da comunicação sem fio se disseminou, esperava-se dela quase tudo. Algumas conquistas, como acesso á Internet, gerenciamento de correio eletrônico, envio de imagens e outras tantas gracinhas, foram plenamente alcançadas. Em contrapartida outras expectativas, em tese muito mais simples, frustraram-se. Destas, talvez a mais sonhada seja a possibilidade de efetuar pagamentos com o celular diretamente no caixa. Em tese, já há alguns anos a tecnologia disponível é mais que suficiente. Então, por que um facilidade tão desejada ainda não foi implementada, exceto aqui e ali e em caráter experimental? Basicamente porque até recentemente a comunicação sem fio era lenta e, sobretudo, pouco segura. Mas as coisas estão mudando. Hoje em dia, embora experimentalmente, já se pode efetuar pagamentos com o telefone celular (mas não necessariamente “por telefone”, como logo veremos) e, brevemente, mais uma implementação estará sendo testada pela Motorola. A mais antiga é baseada no uso do SMS, ou Short Message Service. Ela depende da operadora do celular, que se responsabiliza pelo pagamento. O serviço foi implementado há alguns meses nos EUA pela prestadora Verizon usando uma versão “segura” do serviço SMS desenvolvido pela empresa Netpace. Quando o usuário efetua a compra, uma comunicação via SMS é feita à Verizon, que paga ao comerciante e debita o valor na conta telefônica do usuário. Esse é um exemplo de “pagamento por telefone”, já que usa o SMS. Além da Verizon, que já adotou a tecnologia, as operadoras americanas Cingular Wireless, Sprint e AT & T Wireless demonstraram interesse por ela. Para mais detalhes consulte o artigo de Ben Charny em Mais recentemente foi a Nokia que associou-se à operadora de cartões de crédito MasterCard International e começou a testar seu serviço de pagamento. A tecnologia escolhida se baseia nos “chips” de identificação por radiofreqüência (RFID, ou “Radio Frequency ID Chips”, veja adiante). Na fase de testes, iniciada há poucos meses, um chip RFID é incrustado nas capas de alguns modelos de celulares da Nokia, ou seja, você pode trocar o aparelho e manter seu chip desde que use a mesma capa protetora que contém o chip (que a Nokia batizou de “smart cover”). Em vez de um simples número de identificação, as informações contidas nesses chips RFID contêm os mesmos dados gravados nas tarjas magnéticas dos cartões de crédito MasterCard, ou seja, identificam a conta do usuário. O serviço nada mais é que uma adaptação para uso em celulares da tecnologia PayPass, desenvolvida para a MasterCard para uso em seus cartões de crédito e que vem sendo testada na área de Orlando, Flórida, EUA, há cerca de um ano. Um cartão MasterCard PayPass, além da tarja magnética convencional, traz embutido um chip RFID com os mesmos dados da tarja. Até agora, compras acima de 25 dólares são feitas usando o cartão da forma tradicional, deslizando-o na ranhura de uma leitora magnética que recupera os dados da tarja. Mas, em pontos de venda que disponham de um terminal PayPass (ou seja, onde há um dispositivo capaz de ler os dados do chip RFID), compras abaixo deste limite podem ser feitas simplesmente passando o cartão em frente à leitora, sem necessidade de qualquer outra providência como digitação de senha ou assinatura (para saber mais sobre PayPass consulte a “PayPass FAQ Page” em <www.paypass.com/faq.html>). Se a experiência for bem sucedida, os chips RFID passarão a ser embutidos nos próprios telefones da Nokia e para efetuar um pagamento bastará acenar com o aparelho em frente aos sensores embutidos nas leitoras dos pontos de venda. O chip RFID transmite os dados da conta para a leitora, que se comunica com a rede da MasterCard para obter autorização e em poucos segundos um sistema desenvolvido pelo banco JP Morgan Chase debita o valor diretamente na conta MasterCard do proprietário do telefone. Um serviço muito útil, mas que não é exatamente uma compra feita “por telefone” mas sim “com o telefone”, já que o aparelho (ou, na fase de testes, sua capa) não passa de um mero suporte para o chip. Um passo à frente foi dado pela Motorola, que adotou a tecnologia NFC (ver adiante) para comunicação entre o aparelho telefônico e o ponto de venda. De forma similar aos chips RFID, a tecnologia NFC permite que o ponto de venda identifique o dispositivo. Mas vai além e habilita a troca de dados entre eles. O anúncio do lançamento do serviço foi feito pela Motorola semana passada Inicialmente a Motorola usará o sistema de pagamento PayPass da Mastercard. Mas, devido à sua capacidade de transmissão de dados além da simples identificação, a tecnologia NFC é compatível com os sistemas usados nos “smart-cards” FeliCa, da Sony Usando um dos serviços de pagamento acima, estes telefones capazes de identificar o usuário, trocar informações e efetuar pagamentos, abrem horizontes até agora inexplorados. Imagine que você passe em frente a um cartaz, equipado com um ponto de venda NFC, anunciando um espetáculo teatral. Você encosta seu telefone igualmente equipado com um chip NFC no cartaz e recebe informações sobre o elenco, horários, localização do teatro e coisas que tais. Caso se interesse, pode escolher a data e horário mais conveniente, selecionar o assento na platéia e efetuar o pagamento do bilhete. No dia e hora aprazados, basta comparecer ao teatro com seu telefone e encostá-lo na roleta na porta de entrada. O chip NFC de seu aparelho se comunicará com a roleta, que liberará sua entrada para assistir o espetáculo. E tudo isso operando em modo passivo, para economizar bateria. Isso sim é fazer compras por telefone... RFID Um chip RFID é do tamanho de um grão de arroz e custa menos de cinqüenta centavos de real. É o equivalente eletrônico ao código de barras. Cada chip contém um minúsculo radiotransmissor e um número de identificação único. Eles são a base do sistema EPC (Electronic Product Code), que propõe identificar todo e qualquer produto, de automóveis a caixas de sabão em pó, incrustando neles um chip RFID. E se você acha que pode faltar número de identificação para tudo isso, fique tranqüilo: segundo a última proposta de padronização, o número será de 96 bits, tamanho suficiente para identificar todos os produtos do planeta (comparativamente: um número de apenas 56 bits seria suficiente para identificar cada grão de arroz produzido na terra). Como cada chip contém seu próprio radiotransmissor, o objeto que o transporta pode ser identificado à distância por um receptor situado em um raio de alguns metros. Esses chips já são empregados em cartões de identificação que liberam automaticamente a entrada de seus portadores em locais privativos enquanto mantém a passagem bloqueada para pessoas não autorizadas, sem que seja necessário inserir o cartão em ranhuras ou algo semelhante. Grandes organizações atacadistas ou de vendas a varejo, como supermercados, estão se preparando para exigir que todo e qualquer produto por eles comercializados usem chips RFID para facilitar o controle e reposição de estoque, a localização de mercadorias em depósitos e gôndolas e a segurança. Fábricas poderão acompanhar a movimentação de cada item ao longo da linha de montagem, órgãos fiscalizadores e transportadoras saberão quantos e quais itens estarão sendo transportados em containers sem necessidade de abri-los para inspeção e caixas de supermercado não precisarão manusear os produtos para que seu preço e especificação sejam obtidos em leitores de códigos de barra: basta que o freguês passe com o carrinho cheio de mercadorias em frente ao caixa para que o custo total seja computado e emitida a nota detalhada. Chips RFID já estão sendo usados há algum tempo na Europa aplicados sob a pele de animais de estimação para fins de identificação. E, sinal dos tempos: este mês as autoridades de saúde americanas liberaram o uso experimental de aplicação subcutânea de chips RFID em humanos para acesso eletrônico ao prontuário médico. Para saber mais sobre RFID consulte <www.epcglobalinc.org/about/faqs.html#6>. NFC NFC é o acrônimo de Near Field Communication (comunicação por campo de curta distância). As condições em que se dá essa comunicação são reguladas pelo NFCIP-1 (Near Field Communications Interface Protocol – 1). Trata-se de uma comunicação sem fio tipo “peer to peer”, onde há apenas dois dispositivos envolvidos. O protocolo regula a comunicação sem fio entre dispositivos eletrônicos em uma freqüência de 13,56 MHz. O que caracteriza a tecnologia (e que lhe deu nome) é a curtíssima distância em que se dá a troca de dados: de zero a vinte centímetros. Na prática isso significa que para iniciar a comunicação é preciso encostar os dispositivos um no outro. Os protocolos e padrões que regulam a NFC são estabelecidos pelo Near Field Communications Fórum, uma associação sem fins lucrativos criada pela Nokia, Phillips e Sony (visite-a em <www.nfc-forum.org/>). Seu objetivo é possibilitar que os usuários possam ter acesso a conteúdo e serviços de uma forma simples e intuitiva. Ela foi concebida a partir da combinação de duas tecnologias complementares: a RFID, que possibilita que um dispositivo identifique o outro, e a transmissão de dados sem fio, que permite que, após identificados, os dispositivos se comuniquem e troquem dados. Por exemplo: se ambos forem dotados da tecnologia NFC, o simples ato de encostar um telefone equipado com câmara digital em uma televisão fará com que as fotos sejam exibidas na tela da TV. E arquivos de música ou filmes digitalizados podem ser trocados entre um computador e um “player” simplesmente encostando um no outro. Os dispositivos podem se comunicar em modo ativo ou passivo. No modo ativo, ambos geram campos de radiofreqüência para transportar os dados. No modo passivo, apenas um dispositivo emite o campo de radiofreqüência, enquanto o outro transfere seus dados por modulação – algo importante quando um dos dispositivos é um telefone celular, que pode operar em modo passivo para poupar carga de bateria. Nesse caso, quem inicia a comunicação fica responsável por gerar o campo. A transferência de dados pode se dar em taxas de 106 Kbits/s, 212 Kbits/s ou 423 Kbits/s dependendo de negociação ao ser estabelecida a conexão. A obrigatoriedade de que os dispositivos estejam muito próximos, quase se tocando, para que a conexão seja mantida, ao contrário do que parece, é vantajosa. A primeira vantagem é a segurança: não há como capturar os dados transmitidos, a não ser que o malfeitor esteja praticamente encostado em sua vítima enquanto a transação é feita. A segunda é a facilidade de operar o sistema. Senhas, configurações, ajustes, tudo isso é dispensável: se você quer que dois dispositivos se comuniquem via NFC, simplesmente encoste um no outro. Nada mais intuitivo. Os dispositivos se reconhecerão e a conexão será fechada automaticamente, de forma inteiramente transparente ao usuário, que não precisa tomar nenhuma outra ação ou iniciativa. A característica mais interessante da NFC é que ela pode ser usada apenas para estabelecer a conexão inicial entre dispositivos, ou seja, identificar-se mutuamente. Daí em diante a toca de dados pode ser feita através de outro protocolo como Bluetooth ou Wi-Fi, que permitem manter a conexão mesmo que os dispositivos se afastem. Para saber mais sobre a tecnologia NFC, consulte o documento “NFC White Paper”, que pode ser obtido em . B. Piropo |